sábado, julho 30, 2005

De avestruz a peru

Férias, formato adorado por todos, símbolo de liberdade, ócio e inutilidade. Nesta altura afogam-se relógios mesmo à prova água, ignora-se o calendário, perde-se a obrigação.
Todas as contas e falta de dinheiro são alegremente compensadas por subsídios e empréstimos bancários…vamos lá enterrar a cabeça porque pelas férias, qualquer um é primo da avestruz.
É com regozijo que vejo a liberdade de cada um, condicionada ao quadrado de areia que lhe resta para estender a toalha. De regozijo a júbilo sinto o ócio devastado pelo arrasto da sagrada família, que entre cadeiras e afins, se instalam ditando regras e ritmos condicionantes.
Depois temos as viagens, malas e bagagens, aeroportos, horas de espera, hospedeiras irritantes, comida intragável e um guia que comanda o exército, nos possíveis prazeres de um mundo novo.
De regresso, sem dinheiro, mais cansados e sem férias, recebemos o trabalho, as obrigações e o relógio com enorme gratidão. De avestruz vamos a peru e que venha o Natal.

quarta-feira, julho 27, 2005

Casamentos Devolvidos

Resolvi fazer umas compras, dar boas novas ao roupeiro que há muito tempo vê as mesmas coisas penduradas. Inspirada pelos saldos e de carteira apoiada, pelos sempre fantásticos e generosos avós, fiz uns investimentos. Como não podia deixar de ser, a tagarela da Farpas lá meteu conversa com a empregada da loja, que de forma paciente tentava dissuadir-me a “vestir-e-despir” as possíveis aquisições. Apesar de muito simpática e persuasiva, resolvi arriscar e comprar sem vestir…confesso que é das piores coisas que me podem fazer…mais…só não vou tomar café de pijama porque ainda não tenho o estatuto de louca absoluta.
Tudo isto para vos contar o seguinte: os Casamentos obrigam a devoluções. Passo a explicar:
Segundo consta parece que temos outra moda, a de cancelar casamentos. As tias e os amigos compram as vestimentas e acessórios em função dos ditos. Algumas até procuram roupa de Outono, e acabam por comprar vestidos deslumbrantes que ficam condenados à devolução, porque a noiva se arrepende profundamente de casar com o Fábio Vanderlei. O Fábio por sua vez, descobre que a futura sogra faz magia negra e tinha o ex-genro representado com o boneco, em estilo espantalho, com um machado enterrado na cabeça! A Tia Hortência lá foi devolver o “vestido folhareco”…lavada em lágrimas, conta que era o 3º casamento do ano a ser cancelado.
Depois temos a segunda parte da história, aquelas que usam e devolvem. Esta já é muito antiga, mas é sempre bom recordar. Compram, usam e depois devolvem, até porque um vestido para um casamento é sempre deprimente por muito bom gosto que tenha.
Moral da História: a devolução de vestidos de casamento é o índice mais fiável para uma futura estatística de casamentos cancelados.
Vivemos de forma volátil e desprendida, casamentos anulados, divórcios constantes, casamentos instantâneos, divórcios reconsiderados…Meus Caros: Viver a dois não é propriamente um investimento na bolsa!

terça-feira, julho 26, 2005

Nicolau


Tenho saudades da tua companhia, brincadeiras, ternura e da serenidade que transmitias enquanto dormias. Devo-te as poucas gargalhas que libertei quando tive uma perda ainda maior. Dentro da angústia foste a melhor terapia, pena que também tivesses partido de forma drástica...aliás, como tudo na minha vida.

quinta-feira, julho 21, 2005

Fui iniciada nos pauzinhos

Tive um almoço de família, em formato típico português, a deglutir um naco de vitela. Entre conversas de idade avançada em estilo descritivo, resolvi acompanhar a sobremesa com uma leitura em diagonal do “Independente”. Páginas e páginas de assuntos sérios que me alertaram para uma das minhas lacunas gastronómicas: comida japonesa. Percorri linhas de palavras em itálico, que me levaram a um enorme desejo de provar um sushi, um sashimi e os iaki’s todos. Discretamente retirei o endereço do “Kê Sushi”, não fosse a família pensar que o meu estado de loucura latente se tivesse agravado.
Com algum entusiasmo, levei a ideia ao meu guia espiritual da gastronomia. Muito conhecedor desta cozinha, de imediato prontificou-se a colmatar mais uma distracção dos meus 26 anos de existência. Assim foi, além de guia, uma alma com extrema paciência, que de ar complacente observava a minha inabilidade com os “talheres” dos japoneses.
Muitas tentativas falhadas...muito kobashira, aoyagi, hamachi, se perderam pelo caminho ou mergulharam na piscina do molho de soja.
Por natureza sou persistente e o desejo de experimentar era tal, que inventei novas técnicas de comer com pauzinhos:

Técnica dos pauzinhos com auxílio de um dedo: um pauzinho para empurrar e um dedo para ajudar.

Técnica dos pauzinhos em cada mão: pauzinho na esquerda, pauzinho na direita vale mais, do que um sushi a voar.

Técnica dos pauzinhos em pontas: pauzinhos em jeito de farpas numa investida ousada.

Técnica dos pauzinhos fingidos: utilizadas as técnicas anteriores mas finalizada na postura correcta.

Voltei a exercitar as minhas técnicas num extraordinário restaurante japonês, “O Novo Bonsai”. Mais uma vez, na companhia do meu guia que além de paciente e excelente amigo, é de um altruísmo incontestável...sujeitou-se a mais uma missão impossível, que teve apenas como “imprevistos de resultado já esperado”: a minha trapalhice, de certa forma apagada pelo prazer de estarmos juntos e pela boa conversa.

Como ficar falido: Ideias Várias

Pedir um divórcio litigioso
Liquidar as dívidas
Pagar as contas
Amortizar empréstimos
Pagar Impostos
Ter filhos
Ir ao dentista
Alimentar a sogra
Ir de férias
Ter um carro a gasolina
Fazer compras num supermercado
Fumar uns cigarrinhos
Trabalhar honestamente
Pedir cartões de crédito
Hipotecar a casa
Ir às festas da society
Morrer e ter uma cerimónia fúnebre completa.

quarta-feira, julho 20, 2005

Para o M. de Vasconcelos

Hoje tive uma manhã excelente. Acordei alienada com o toque da campainha…era o carteiro! De cabelos desgrenhados e de olhos em jeito de telas descaídas, consegui assinar o cartão que me entregou o Sol e me convidou a um sorriso que ainda persiste pela tarde. Recebi um pacote em formato de almofada (que me apetecia abraçar), com a assinatura do meu querido amigo Vasconcelos.
Já acordada e derretida de curiosidade, espreito para dentro da almofadinha e vejo um excelente pequeno-almoço! Podem tentar…mas não vos conto as iguarias. Maior surpresa foi o meu querido amigo Joãozinho de Bragança ter tido a coragem, a ousadia de
vir por “mares nunca antes navegados” ter com a Luisinha. Depois de “pequeno-almoçar” voltei a dormir abraçada ao Joãozinho de Bragança, antes que ficasse tentado a explorar o Tejo.
O melhor de isto tudo é ter um Amigo assim. Para si, Vasconcelos, ósculos e abraços de agradecimento.

Sempre sua,
Luisinha.

Portugal nasceu para Conquistar, não para trabalhar.

Num acto de inconsciência absoluta experimentei trabalhar. Foi catastrófico, além de ter adoecido, ainda tive ataques de pânico, subidas e descidas de açúcar…uma coisa horrorosa.
O Ser Humano é curioso por Natureza, de facto experimentar trabalhar é uma ousadia, mas não fui capaz de resistir a tal tentação. Como tenho alguma dificuldade com a rotina, resolvi variar e não passar a tarde toda ao telefone com a prima da terra, não arranjei as unhas, nem li o resumo das Telenovelas, nem sequer fui às compras.
O desgaste foi tal que não deixei os clientes pendurados ao telefone, mantive a linha desimpedida e até enviei um fax. Não imaginam o esforço que fiz.
Fico amargurada ao confessar esta deslealdade para com os portugueses. Foi uma traição à nossa Imperial natureza.
Já dizia o nosso estimado Eduardo Lourenço “que Portugal está voltado de costas para a Europa”, e muito bem. Portugal já não tem nada a conquistar na Europa, nem sequer é parte dela, é um tampão do Atlântico. De futuro resta-nos ser a central de resíduos tóxicos de uma pacífica e silenciosa globalização.
Portugal não produz, deixa-se produzir, é a chamada economia de meios. Vivemos da saudade e da glória, de um tempo que nos deixou como herança um património, para o qual não temos recursos para manter ou recuperar.
A economia de meios é por excelência, o fio condutor deste rectângulo à espera de Novos Mundos por conquistar.

Ementa para Hipocondríacos:

Sopas

Canja de Galinha do Campo S/hormonas
Caldo de Arroz “Bem Lavado”


Entradas

Tostas Integrais com Trigo esterilizado
Cenoura Ralada Amukina
Alface flambé


Pratos

Tarte Kompensan
Bife Pursennide
Pescada Dulcolax
Filetes Aspirina
Lombinhos Ozonol
Cozido com todos “Rennie”
Bacalhau Água das Pedras Levíssima
Salsichas Librax


Sobremesas

Bolo de Menta Cialis
Mousse Dimicina
Gelatina Ananase


Cafés

Café à lá Lexotan
Café Valium-oso
Café au Xanax


Bebidas Brancas

Água Filtrada e Fervida
Álcool Etílico

Oferta da Casa no acto do pagamento:

Internamento em quarto particular previamente esterilizado numa clínica à sua escolha.
Ainda oferecemos um voucher para umas termas de recuperação hospitalar.

IVA DEDUTÍVEL NO IRS. PASSAMOS RECEITA.

segunda-feira, julho 18, 2005

Compras num Supermercado: De aventura a despautério!

Hoje, mais uma vez, transformei-me em fada-do-lar! Uma autêntica fada que veste avental e vai às compras. Tenho dias em que sou fada-carpinteira, fada-electricista, fada-engraxa-sapatos, fada-da-paciência e todas, todas a que uma vítima se pode candidatar.
Fui ao supermercado, onde se faz as compras, onde se encontra produtos e ingredientes necessários para uma sobrevivência normal, supostamente.
Entre corredores e prateleiras imensas, com o IVA a 21%, constatei que é raro encontrar um produto alimentar em estado dito natural. Seguem-se as farpas:

O Leite

Já não bastava o melodrama do Gordo, Meio-Gordo e Magro, agora temos um com cálcio, outro com magnésio, outro para a digestão, um para juniores, outro para seniores, um com soja, outro sem soja e um para o colesterol.

Iogurtes

Dantes perdíamos horas a escolher os diferentes sabores de fruta, agora perdemos horas a escolher sabores de sobremesas. Depois temos também as variantes das calorias e percentagem de gordura, os bifidus activus, cremosos, não-cremosos, com cereais, sem cereais e para o Colesterol.

Bolachas

Produto alimentar historicamente diversificado. Actualmente é levado ao exagero. Temos bolachas com todas as combinações, sabores e formatos. Podem ser: enjoativas, doces, salgadas, integrais e outras que não conseguimos perceber a que é que sabem.
Uma outra variante de Bolachas: as bolachas SEM, sem açúcar, sem sal, sem gordura,sem colesterol, sem qualquer utilidade.

Meus Caros, mediante os factos só posso alegar o seguinte: não sei se estou num supermercado, se fui à farmácia.
Não posso deixar de acrescentar, que se uma pessoa come bolachas é porque pode, e comer uma bolacha é supostamente um prazer, não uma combinação química.

Cereais

Tenho saudades dos corn flakes…com aquele galo idiota na caixa. Os cereais devem ser exactamente aquilo que a designação inclui: cereais.
Hoje temos mutações e mixórdias dos ditos. Já para não falar do colesterol e da linha zero.

Pasta Dentífrica

Uma tem cálcio, a outra é branqueadora. Uma dura 24h, a outra mantém o hálito fresco. Uma é para gengivas sensíveis, a outra é de hortelã-pimenta. Será que é difícil perceber que precisamos de cálcio, branqueamento, 24h, hálito fresco e restantes? Não seria mais inteligente e pragmático incluírem a “tralha” toda numa pasta dentífrica só?



A Minha Preferida: Água


Ninguém ousaria (há uns anos atrás) dizer que a água tem sabor. Pois, meus caros, TEM e dos mais absurdos.
Água que sabe a: maracujá, limão, laranja, azeitona, cebola, mostarda e picante.

Como tudo o que possa alegar é inútil, aqui ficam umas sugestões para futuros produtos:

Leite com sabor a bacalhau
Manteiga com sabor mostarda
Melão com sabor a presunto
Iogurte com sabor a arroz
Esparguete com sabor a algas
Chocolate sem chocolate
Batatas fritas com sabor a ovo estrelado

Todas as sugestões são Bem-vindas. Atrevam-se.

sábado, julho 16, 2005

No Comments


Entre abraços, tropeções, gargalhadas, discórdias, cumplicidades...esta é uma prova de amizade que caminha para uma década!

À Procura da Terra do Nunca


Tenho saudades do tempo em que tratava a Natureza por tu.
Tenho saudades do tempo em que me escondia nos braços da minha Mãe.
Tenho saudades do tempo em que o Natal não era incompleto.
Tenho saudades do tempo em que ria porque tinha motivos para rir.
Tenho saudades do tempo em que não sabia o que era a tristeza, a mágoa ou a desilusão.
Tenho saudades do tempo que nunca foi tempo para mim, mas sim uma desejada eternidade.

sexta-feira, julho 15, 2005

Regras Fundamentais para Viver em Sociedade:

Ver Televisão
Ler Revistas Sociais
Ter Telemóvel
Ser do Partido Actual
Concordar Sempre
Não ter Opinião
Não ter interesses específicos
Ter um Carro
Falar de Países Estrangeiros
Adoptar o Cinismo e a Hipocrisia
Ser Conveniente
Não ser Diferente
Fingir que se é Feliz
Ser Casado
Ter cartões MB
....creio que devem faltar umas quantas, mas como nenhuma delas é importante, os selvagens dos anti-sociais irão perdoar esta Farpas, que tanto vos admira.

Teorias de uma Ave Nocturna

Não suporto manhãs. Por mais que tentem convencer-me com argumentos idílicos e provérbios “do cedo erguer, dá saúde e faz crescer”, sinto-me sempre num estado letárgico que nem à força de banhos se dissipa.
Não aguento: passarinhos, noticiários das 7 da manhã, pequenos-almoços substanciais, pessoas sorridentes e de ar acordado.
Não suporto: despertadores, que acendam a luz e “anicas-troliteiras matinais”.
Detesto: corridas matinais e maníacos saudáveis.
De facto, nem o provérbio se salva...”dá saúde e faz crescer”, crescer o quê?...só se crescer uma forte vontade de ficar na cama... e dá saúde? não consigo perceber como... saudável, é sermos livres e não contrariarmos o nosso relógio biológico. Este provérbio deve ser proveniente dos discursos da CGTP com pitadas stalinistas.
Depois de ter sido dizimada com a alcunha do Trafaria, aquele que só trabalha depois do meio-dia, fui contemplada com o estudo científico que explica, que as pessoas que dormem bem (e muito!) vivem muito mais tempo. Conclusão: além de dormirmos mais que os outros, ainda nos resta tempo para viver.
Segunda teoria: as pessoas de Q.I. superior, pela constante actividade cerebral, devem ter longas horas de sono (para reparar e compensar o esforço constante de uma actividade rara: pensar). O próprio Einstein dormia 14 horas. Conclusão: como não sou um génio, mas tenho pena, pelo menos contento-me com as horas permitidas ao estatuto referido.
Não há duas sem três (isto hoje, está um bocado popularucho, que me perdoem os intelectuais): a terceira teoria é a minha. Não temos que obedecer a relógios, horários pré-concebidos, viver em rotina e ver o sol nascer todos os dias. Devemos também dar à noite, o prazer da nossa companhia. Nunca repararam porque é que a Lua está sempre a crescer, a minguar, a aparecer e a desaparecer? é pelo estado de solidão constante...até porque as estrelas são muito elitistas e organizam-se em constelações próprias e de acesso restrito.
Com isto, apelo ao vosso bom senso: desafiem relógios e mentalidades...façam companhia à Lua e deliciem-se com a banda sonora da noite...que é simplesmente fantástica.

quarta-feira, julho 13, 2005

Farpas, Janjão para os amigos



vai passear em Agosto...mas não conto por onde vou, só sei que não vou andar por aí!

Desculpas para se viver no Frigorífico

Estou tão impaciente com as temperaturas que assolaram Lisboa, que só me apetece viver no frigorífico. O desespero é tão evidente que dou por mim de cabeça enfiada na segunda prateleira, a verificar as datas de validade da hortelã e do tomate coração. O extremo foi quando resolvi estudar todos os ingredientes e componentes dos molhos “plásticos” para temperar saladas, o que distingue a mostarda tradicional da outra, se a lata do sumo tinha a mesma dimensão da lata da cerveja, se meio limão perde mais propriedades virado para baixo, ou virado para cima e se as compotas alteravam a textura com as diferenças de temperatura (dentro da escala do frio, claro).
Para justificar a minha presença no frigorífico, resolvi fazer um estudo logístico dos produtos mais utilizados e dos menos necessários. Com a devida ordem, lá organizei as prateleiras que estavam dignas de um estudo arquitectónico. Depois, porque as minhas tendências artísticas assim o requerem, fiz um estilo de design de interiores com produtos refrigerados, tom sobre tom, ficou um must!
Hoje, ainda vou ler as instruções dentro do frigorífico para dar um ar mais realista, e como se costuma dizer: “que ao pé do pano é que se talha a obra”.

Reconstrução Cerebral com Zona Identificada

Tenho uma enorme saudade do tempo em vivia com verdades absolutas, sem dúvidas ou hesitações. A estupidez tem as suas vantagens, apazigua a ansiedade da dúvida constante.
Procuro futuras respostas para certezas antigas. Vivo agora um estado de consciência absoluta. A clarividência consome. O conhecimento excessivo e aprofundado retira-nos a objectividade necessária para agir, elimina a intuição. Prefiro viver de forma intuitiva, sem ter que criar teorias da relatividade geral ou contrariar o “Ser ou não Ser, eis a questão?” ou o Descartes, para perceber aquilo que sinto.
A incerteza nasce, cresce e elimina o equilíbrio anteriormente adquirido.

Pensamento por Conveniência

Alguém disse: “Quando vem uma forte vontade de trabalhar, sento-me no sofá e espero que a crise passe”. É isso mesmo, porquê contrariar palavras tão sábias?

segunda-feira, julho 11, 2005

Sou Táxicodependente II

Uma vez que vos confessei a minha grave dependência, não posso deixar de fazer algumas alegações a meu favor.
Ser táxicodependente é também um estudo sociológico. Todos os dias, entro em carros diferentes, com aromas e perfumes diversos, com decorações de Fé ou desportivas. Cada carro tem uma história para contar, umas felizes, outras de enorme sacrifício e outras são autênticos dramas que nos passam ao lado. Não são histórias sensacionalistas ou de manipulação da opinião pública, são factos de vida. Os taxistas são igualmente bons observadores da realidade, e por vezes são excelentes contadores de situações que coleccionam de “conduzidos” como eu. São óptimas fontes de alerta para os reais desequilíbrios da sociedade, são os primeiros a falar de racismo, de roubos e de perigos diversos. Podem ser igualmente um barómetro económico, uma vez que são os primeiros a “sofrer a crise”, como dizem.
Durante anos tive um taxista privado, o meu taxista, como lhe chamava. Tenho saudades dos tempos que me telefonava, para perguntar a que horas a menina Joãozinha precisava que a fosse buscar, ou quando (com algum orgulho) dizia que já conhecia os sítios “onde a malta nova se diverte”.
O meu taxista, já era meu amigo, tão protector, que esperava sempre que entrasse em casa, que fez questão de se apresentar aos meus pais. Era um “Homem do Minho”, dizia muitas vezes de olhar enaltecido. Ofereceu a sua casa minhota e os repastos preparados pela família. Já era parte da minha vida e eu era parte da dele. Depois de tantas “corridas” e por vezes taxímetros ignorados, sabia toda a sua vida que em parte foi exemplo para a minha.
Depois “do meu taxista” resolvi não adoptar outro, seria uma total deslealdade, mesmo sabendo que neste momento deve estar na sua casa do Minho, com a sua família e a usufruir de uma reforma tão esperada. Hoje tenho muitos taxistas, muitas histórias de vida que surgem como peças de puzzle de forma tão complexa como a nossa existência.

sábado, julho 09, 2005

Sou Táxicodependente

Deixo aqui, uma nota de solidariedade a todos os meus pares, que ainda não têm carta de condução. Não posso deixar de vos avisar que a condição de conduzido é altamente reprovável em sociedade.
A inutilidade e comodismo são apelidos de nascença para os conduzidos. Contudo temos que saber distinguir e analisar cada tipo de conduzido.

Conduzido por altruísmo:

Aquele que tem carta, que conduz na perfeição mas que se deixa conduzir.

Conduzido ambientalista:

Tem carta, sabe conduzir mas não tem carro. Atribui os níveis de chumbo aos que o conduzem.

Conduzido economista:

Tem carta, carro e tudo a que tem direito, mas é conduzido para poder investir o capital noutros prazeres da vida.

Conduzido farinha-amparo:

Tem carta mas não sabe como.

Conduzido solitário:

Aquele que conduz mas prefere ter companhia.

Conduzido em estado puro:

Aquele que não tem carta, não tem carro, não sabe conduzir e não está interessado.


Mediante a apresentação dos diversos tipos de conduzidos, não posso deixar de referir que o último tem graves consequências. Ser conduzido em estado puro é o passaporte para a exclusão social. Não adianta ter um Q.I. acima da média, mestrados, doutoramentos, ser cientista ou fazer pesca submarina, somos de imediato considerados, uma aberração.
Perante este cenário redutor, o caminho está na táxicodependência.
É com algum pesar que vos anuncio que sofro deste mal. Sou dependente em último grau. Tive a família reunida e recebi todo o apoio das melhores instituições para uma cura definitiva. Fiz internamentos na Carris, no Metropolitano e na CP. Amigos próximos sugeriram terapias alternativas: equitação, ciclismo, vela, gaivotas, etc.
Sem qualquer resultado só me resta contar-vos a minha experiência.
Muito brevemente "Sou Táxicodependente II"

"Como tornar-se doente mental", de J.L. Pio Abreu

Dei por mim a vaguear por Lisboa, sem qualquer consciência do que estava a fazer, ou do que queria fazer. Deambulava em estado invisível pelas estações do metropolitano, pelas lojas devastadas pelos saldos, pelas ruas preenchidas por rostos vazios e tristes. Senti-me consumida pelo cansaço, e sem encontrar razão para o estado não anunciado, sentei-me numa esplanada. O lugar era estratégico e decisivo e por momentos parei o tempo. O cenário foi desastroso: um retrato consumido pelo tempo, rasgado pela ausência de emoções, invadido e consternado. Naquele momento percebi que somos todos invisíveis, que vivemos de forma distraída, que o sol brilha no azul fantástico de Lisboa, na esperança de ser contemplado com um sorriso, que as janelas e as varandas contam muitas histórias, e que as ruas são decoradas por seres humanos, que se julgam diferentes e condenados a esta forma de vida.
O relógio voltou a dar sinal e por cada segundo observei um rosto, um gesto e uma palavra. Horas de palavras, rostos e gestos, provocaram-me uma enorme ansiedade, construíram silogismos sem sentido. Quando recuperei a consciência estava na FNAC. Ainda desfocada, consegui perceber que tinha uma pessoa de colete verde, encostada a um balcão, de sorriso amestrado, e de dedos preparados ao teclado para satisfazer os meus caprichos. Na tentativa de recuperar a minha condição humana, perguntei por um livro que tem todas as respostas para nos libertar da “tal forma de vida”. Só o título tem efeitos imediatos. Inquiri então, àquele ser amestrado, se o livro “Como tornar-se doente mental” andava pelas prateleiras daquele supermercado. Os que aguardavam vez e o ser do colete verde, num silêncio profundo e de olhar complacente, renderam-se às evidências.
Aguardei em sufoco pela solução tão desejada. Estava sorridente, controlada por gargalhadas compulsivas que teimavam em não sair. O livro foi entregue em mão e de ar resignado, o ser do colete verde, desejou-me uma excelente tarde com enorme condescendência. Os que aguardavam abriram alas de jeito gentil e assustado. Já de saída, dirigi-me a uma caixa para pagar uma nova forma de vida. Não tendo ainda autoridade para fugir com o dito, soltar os alarmes e reunir os seguranças, resolvi ser normal. Na caixa, estava um rapaz de ar saudável, que parou literalmente quando viu a minha aquisição. Ficou consumido. De saudável passou a depressivo, ansioso, paranóico, esquizofrénico e maníaco….desenfreado correu para um microfone e anunciou que aquele era o último exemplar de uma edição acabada. O caos instalou-se e todos, todos os meus semelhantes perceberam que a solução para não ser invisível, estava nas minhas mãos: o último exemplar.